Escolha errada pode trazer graves prejuízos à SST e aos negócios
Se, por um lado, as mudanças nas normas regulamentadoras impactam e exigem adequações das consultorias de SST, por outro, contratá-las requer atenção redobrada, afinal, o barato pode sair caro quando o assunto é a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. Além de ameaçar o bem-estar e a vida dos empregados, a negligência é sinônimo de passivos trabalhistas e previdenciários e ameaça o patrimônio e a imagem da contratante.
O procurador federal Fernando Maciel, mestre em Prevenção de Riscos Laborais, observa que expressiva parcela do segmento empresarial brasileiro ainda não se deu conta de que investir em medidas de prevenção dos riscos laborais gera lucro. Segundo ele, uma das condutas que evidenciam o que chama de “miopia empresarial” consiste na contratação de consultorias com base apenas no critério do menor preço, não levando em consideração a qualidade. “Dessa forma, ao contratarem serviços tecnicamente inidôneos, que elaboram relatórios ambientais formalmente corretos, porém distantes da realidade material, o diagnóstico dos fatores de risco fica sensivelmente prejudicado, o que contribui para a ocorrência de infortúnios laborais perfeitamente previsíveis e evitáveis, que irão impactar, não apenas na saúde dos trabalhadores, mas, também, na saúde financeira das empresas”, observa.
O coordenador da área de Direito Ambiental e Segurança e Saúde no Trabalho da Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, o advogado Marcus Vinícius Neves Vaz, entende ser fundamental esclarecer à empresa contratante dos serviços de SST que a responsabilidade por eventuais acidentes ou adoecimentos de seus trabalhadores é de quem contrata, ou seja, do empregador. E são várias as responsabilizações, sendo uma das mais custosas a previdenciária. “Vale apontar as ações regressivas acidentárias propostas pela Procuradoriageral Federal/INSS no intuito de ressarcimento das despesas com prestações sociais concedidas em face dos acidentes do trabalho ocorridos por culpa dos empregadores”, diz.
Marcus Vinícius explica que tais ações estão embasadas no artigo 120 da Lei Federal nº 8.213/1991, para os casos de negligência quanto às normas de Segurança e Higiene do Trabalho. “O artigo faz menção expressa à negligência em relação às normativas de SST, ou seja, se determinado acidente ocorreu por conta de programas de prevenção ocupacional mal elaborados e implementados e se tais programas foram confeccionados por empresas terceiras de consultoria, quem arcará, em regra, com o ressarcimento dos gastos será o empregador”, explica.
O advogado complementa que isso ocorre porque a legislação ocupacional é expressa quanto à responsabilidade do empregador. “Para tanto, basta citar o item 1.4.1 da NR 1 vigente atualmente, que impõe ao empregador o dever de cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho. Na prática, cabe ao empregador avaliar com rigor a contratação de empresas de consultoria em SST, sob pena de majorar os riscos ocupacionais ao invés de mitigá-los ou extingui-los”, alerta.
Além da responsabilidade previdenciária, o empregador poderá responder, ainda, sob a égide trabalhista, civil e criminal. Especificamente em relação às consultorias de SST, Marcus Vinícius afirma que elas devem ficar atentas, pois, a depender do caso e das cláusulas contratuais entre as partes, a empresa contratante poderá acioná-las via ação de regresso para ressarcimento de custos de acidentes/doenças decorrentes de programas ocupacionais falhos. Além do mais, a consultoria poderá responder na esfera civil e também administrativamente perante o respectivo órgão de classe, como CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) e CRM (Conselho Regional de Medicina), sem prejuízo de os consultores responderem pessoalmente perante o órgão de classe e até mesmo criminalmente.
Fatores
Conforme Maciel, a falta de fiscalização repercute na ausência de responsabilização das consultorias. Acrescenta, no entanto, que esse cenário vem sofrendo alteração. Isso porque está crescendo o número de condenações judiciais imputando responsabilidade a essas prestadoras pelo ressarcimento dos danos que decorrem dos acidentes e doenças ocupacionais resultantes de seu desserviço. “Além disso, o MPT (Ministério Público do Trabalho) tem investigado essa atuação irregular de consultorias de SST, celebrando TACs (Termos de Ajustamento de Condutas) em que as empresas se comprometem a prestar um serviço técnico em conformidade com as disposições normativas que incidem acerca da matéria”, acrescenta.
Outro fator que, na visão do procurador, deve contribuir para acabar com a “miopia empresarial” e a má prestação e impunidade dos serviços de consultoria em SST consiste justamente nas recentes alterações promovidas nas NRs, especialmente, com a instituição do GRO e o PGR. “A partir do GRO, vai ser possível um diagnóstico mais preciso acerca dos riscos e perigos existentes no ambiente de trabalho, permitindo a adoção de um PGR que identifique precisamente as medidas preventivas a serem implementadas para eliminar, reduzir e/ou controlar tais fatores de risco/perigo que possam acarretar agravos à saúde dos trabalhadores”, afirma. Complementa que as atribuições das consultorias de SST passarão a ter um nível de detalhamento mais preciso, permitindo, assim, a identificação de eventuais não conformidades, o que poderá fundamentar a sua responsabilização pelos danos causados pela má prestação dos serviços.
Marcus Vinícius considera necessária uma fiscalização contínua e eficaz da Auditoria Fiscal do Trabalho e dos órgãos de classe sobre os documentos ocupacionais elaborados pelas empresas e profissionais liberais de consultoria em SST. “Não obstante, reitero que cabe ao empregador, enquanto contratante desses serviços, ser mais criterioso e exigente, visto tratar de prestação de serviço voltada ao principal capital da empresa, no caso, o capital humano”, ressalta.
Orientações
Conforme o diretor executivo na Milaneli/FAPonline, Eduardo Milaneli, é muito importante, portanto, que as empresas contratantes consigam identificar quais são as consultorias que terão um real know how para apoiá-las. “Esse é um tema sério, que exige atenção e especialidade efetiva. Procurar uma consultoria que atenda a todos os pré-requisitos técnicos, regulatórios, tecnológicos e que tenha uma estrutura bem fundamentada faz toda a diferença”, ressalta.
Nesse sentido, o diretor médico da Esame, José Carlos Dias Carneiro, orienta que as contratantes alinhem o seu padrão de SST com os padrões de trabalho do prestador pretendido. “Caso o mapeamento da área de saúde e segurança da empresa contratante seja claro e bem estabelecido, a mesma não encontrará dificuldade de encontrar no mercado uma consultoria de SST que comungue de seus valores e entregue serviços de qualidade e relevância para a saúde do trabalhador”, afirma.
O diretor executivo da Ambientec, Paulo Roberto de Oliveira, observa que é comum empresas-clientes não saberem muito bem o que estão contratando e algumas consultorias não saberem muito bem o que estão oferecendo. “Este é o ‘estado do caos’ que permite que muitos trabalhadores sejam expostos a riscos desnecessários”, ressalta. Acrescenta que, para buscar o “estado da arte” ao se contratar a consultoria, a contratante deve seguir alguns passos.
O primeiro desses passos, conforme Paulo, é definir exatamente o que pretende com a contratação da consultoria e estabelecer o seu termo de referência para o serviço ou especificação técnica. O segundo é pesquisar sobre as consultorias e selecionar aquelas a quem enviará o convite para participar do processo seletivo. Nessa avaliação, deve pesquisar seu conceito de mercado, navegar em seu site, consultar o Crea para ver se é registrada junto ao Conselho e se tem engenheiro de segurança responsável técnico devidamente registrado e atuante e, principalmente, se há referências boas e/ou más sobre a sua atuação profissional. O terceiro passo é avaliar a relação custo-benefício oferecido pela consultoria em sua proposta. Isso pode ser feito comparando a quantidade das horas de trabalho oferecidas, a quantidade de diárias de equipamento alocadas, o valor da carga tributária considerada, o percentual de BDI (Benefícios e Despesas Indiretas) praticado e a previsão do recolhimento da ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) junto ao CREA.
Verificações
Para o diretor técnico da Labor, Jorge Chahoud, os cuidados na hora da contratação de uma consultoria de SST incluem verificação in loco da estrutura da assessoria, assim como a verificação da qualificação dos diretores responsáveis, da capacidade técnica (profissionais que fazem parte do quadro técnico), dos equipamentos utilizados para avaliações, software utilizado, rol de clientes atendidos, anos de atuação e licenças.
Entre os pontos considerados fundamentais na escolha de uma consultoria, a gerente de projetos da DSS Brasil, Heloisa Di Nizo Paschoal, lista: realizar pré-qualificação com base em reputação e resultados obtidos em outros clientes; avaliar as metodologias e o corpo técnico da empresa e mensurar o uso de tecnologias digitais no suporte à gestão de riscos operacionais. “Também é importante formalizar o instrumento contratual com cláusulas claras em relação a responsabilidades e resultados, com ônus e bônus, monitorar rotineiramente o contrato e fazer análises críticas pós finalização do contrato”, complementa. O líder de Projetos da DSS Brasil, Ailson de Sousa Mendes, observa que os profissionais das consultorias necessitam, não somente de qualificações técnicas, mas, também, de alta capacidade analítica para tomada de decisões e de sólidos princípios éticos para atingirem as expectativas do mercado.
“As empresas contratantes devem buscar informações no mercado sobre o histórico da contratada, os clientes atendidos por essas consultorias, o networking com os profissionais de classe, comparar orçamentos desconfiando dos preços muito baixos do estipulado e, o mais importante de tudo, saber se a contratada consegue entregar o serviço que foi contratado”, alerta Milaneli. Complementa que também é preciso pensar num processo mais amplo de gestão e focar na agilidade, no controle, no monitoramento e na prevenção. “Hoje, mais do que nunca, as informações e os dados gerados nas ações de SST precisam ser monitorados e tratados de forma preventiva. Para se apropriar da visão estratégica, evitando riscos e estando em compliance com a legislação, nada melhor do que implementar um software de gestão completo”, afirma.
Segundo o presidente da Abresst, Ricardo Lupianhes Pacheco, serem associadas e possuírem o Selo de Qualidade da entidade também são sinônimos de credibilidade para as consultorias. Ele destaca que, atualmente, a Associação está representada em 14 comissões tripartites nas revisões das normas regulamentadoras na defesa do trabalhador e pela atuação do médico do Trabalho e de todos os agentes de SST. “Além disso, baliza as empresas prestadoras de serviços em suas atuações, mantendo uma excelente relação com a Anamt (Associação Nacional de Medicina do Trabalho) e demais órgãos regulatórios”, ressalta.
PGR será ferramenta para fiscalizar
Outra questão relacionada ao GRO que as consultorias precisam ficar atentas, segundo o médico do Trabalho Mario Bonciani, é que o PGR deve passar a ser o principal documento utilizado para a fiscalização geral na área de SST, seja por parte da Auditoria Fiscal do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho ou qualquer outro órgão. “O PGR centralizará as informações de SST e facilitará a fiscalização, principalmente se apoiado pelo eSocial, quando este entrar em vigor de fato”, afirma o diretor executivo da Ambientec, Paulo Roberto de Oliveira.
Quanto à fiscalização do trabalho das consultorias de SST especificamente, Bonciani explica que, hoje, estão subordinadas à Vigilância Sanitária que, por sua vez, está ligada ao SUS (Sistema Único de Saúde), que, segundo ele, na prática, não fiscaliza. “Observamos que o processo de fiscalização na atualidade poderia ser mais eficaz. Cremos que instrumentos de disponibilização de dados informatizados como primeiro filtro tornará o processo mais eficaz, desde que não comprometam a fiscalização corpo a corpo que deve ser feita. Paulo entende que o Ministério da Economia, que abriga os assuntos trabalhistas e previdenciários, deveria estabelecer uma política e regulamenta-ção que abrangessem o controle sobre a qualidade oferecida pelas consultorias. “Quem deve exercer o controle da qualidade é o próprio mercado consumidor (cliente), devidamente assistido pelo Governo por meio de seu aparato fiscalizatório”, afirma.
eSocial
Embora venha sendo protelada ano após ano, a entrada dos eventos de SST no eSocial (Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciá-rias e Trabalhistas) é aguardada com otimismo. “Acredito que o eSocial fortalecerá a importância da SST no âmbito das empresas, pois informações errôneas contidas nos documentos ocupacionais lançados no sistema poderão gerar desdobramentos de ordem trabalhista e previdenciária/tributária”, observa o coordenador da área de Direito Ambiental e Segurança e Saúde no Trabalho da Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, Marcus Vinícius Neves Vaz.
O advogado complementa que, diante dessa situação, documentos ocupacionais que até então só eram verificados em eventuais fiscalizações in loco passarão a ter a sua publicidade alavancada, ou seja, se antes as empresas se preocupavam com uma possível vinda da fiscalização, com o eSocial, são as próprias empresas que fornecerão todos os dados aos agentes fiscalizadores. Acrescenta que, nesse sentido, será imprescindível verificar se a documentação ocupacional da empresa realmente apresenta sintonia e correlação técnica.
Paulo acredita que o eSocial facilitará o processo fiscalizatório porque as empresas serão obrigadas a “declararem” o modo como fazem a gestão de SST. “Isso valorizará as consultorias, porque o sistema, dotado de inteligência artificial, apontará onde não está havendo gestão insuficiente, o que deverá aumentar a demanda por consultorias com foco em gestão de SST, em desfavor daquelas produtoras de papel”, acredita.
Fonte: CONTRATAÇÃO exige cuidados. Revista PROTEÇÃO, São Paulo: Edição 344, n. 20, agosto 2020, p.51-54